Artesãos ou agricultores? Os desafios das famílias que se dedicam ao queijo artesanal
Atualizado: 13 de nov. de 2020
Foto: Rogério Machado/Gazeta do Povo
Fazer um queijo minas artesanal é como fazer uma obra de arte. Tudo depende do cuidado, delicadeza e técnica do “artista” que o manipula. Na região do Triângulo Mineiro, encontram-se alguns dos principais artesãos dessa arte secular, que faz o estado ser reconhecido mundialmente. Mas como todo produto feito em pequena quantidade e que depende de conhecimentos específicos, o aumento na escala de produção esbarra em fatores como a falta de mão de obra especializada, algo comum no ambiente da agricultura familiar.
De acordo com dados da Emater-MG, somente na região de Araxá existem 943 unidades de produção familiares cadastradas. Juntas elas produzem 2,8 mil toneladas/ano de queijo minas artesanal. No estado, são 9.445 produtores cadastrados e um volume total estimado em 29 mil toneladas/ano.
Inez Gomes Rosa Borges e Robson Campos Borges fazem parte desse seleto grupo. O casal – a 7ª geração da família a produzir queijos – possui 17 hectares em Uberlândia, onde montou uma pequena agroindústria para fazer queijo frescal e minas artesanal. Para isso, contam com um rebanho de 60 vacas, 40 delas em lactação. Eles também cultivam palmito quiroba, planta tradicional na região, e o milho usado na alimentação do gado. O esterco do rebanho, por sua vez, é utilizado na adubação da lavoura.
A primeira queijaria, que só produz o queijo frescal, foi inaugurada em 2012, inteiramente financiada pelo Pronaf, o programa do governo de apoio à agricultura familiar. Já a segunda unidade começou a operar em 2017, apenas para fazer queijo minas artesanal. Nesta última, o casal utilizou recursos próprios, mostrando que o setor é bastante rentável. A produção de leite também ficou mais eficiente nesse período. No ano passado, por exemplo, eram necessárias 27 vacas para produzir 500 litros de leite ao dia. Hoje, o mesmo volume é produzido por apenas 19 animais.
Os três filhos de Inez e Robson estudam em período integral e ajudam os pais apenas nos fins de semana, o que sobrecarrega a dupla. Com a produção em crescimento, eles chegaram ao limite de suas forças, já que todo o processo – da ordenha à confecção dos queijos – está concentrado em uma única pessoa: Inez. E aí surge o dilema: estacionar a produção para não perder o “toque de midas” artesanal ou expandir contratando mão de obra externa e correndo o risco de perder a qualidade?
Queijo: um produto vivo
A extensionista em bem-estar social da Emater-MG Aurea dos Santos Mundim alerta que a produção de queijos artesanais, que utiliza leite cru não pasteurizado, precisa seguir regras sanitárias estritas. “O queijo é um produto vivo. É preciso ficar ao menos 17 dias em maturação para não haver problemas de contaminação”, explica. Muitos produtores não querem perder o controle direto sobre as etapas, já que os produtos são sensíveis também a fatores como umidade e temperatura, por exemplo.
A produtora Ana Paula Santos Rocha, de Ibiá (MG), e o marido, Antônio, produzem 35 queijos por dia. A rotina é puxada, mas é o toque artesanal que faz toda a diferença na qualidade dos produtos.| Foto: Rogério Machado/Gazeta do Povo
O mesmo impasse vivem Ana Paula Santos Rocha e Antônio Onofre dos Passos, que produzem exclusivamente queijos artesanais em sua propriedade em Ibiá. O casal, que tem uma filha pequena, é responsável pela produção de 35 queijos minas artesanais por dia. O esmero de Ana Paula e Antônio lhes rendeu prêmios estaduais e nacionais de melhor queijo. “O segredo é muito trabalho. Tem pouco prazo [tempo] até pra sair. De vez em quando a gente arruma alguém pra ficar aqui enquanto precisamos ir na cidade”, diz Antônio. “É preciso muito cuidado com a produção, corrigir os problemas. Mas se você pelejar consegue manter a qualidade, porque os problemas sempre aparecem”, completa Ana Paula, que aprendeu a fazer queijos com a sogra.
“O queijo artesanal carrega a alma de quem o produz, pois tem muita interferência da pessoa no processo”,sintetiza Sílvia de Lima Passos, médica veterinária e extensionista da Emater-MG em Araxá. Para ela, não tem como os produtores familiares fugirem do foco na qualidade e maior valor agregado dos seus produtos. “Conheço gente vendendo queijo a R$ 80 a unidade”, pontua. Mas para chegar a esse nível é preciso investir também na estrutura e higiene das instalações e no controle sanitário dos animais. O cuidado com a alimentação e a saúde do rebanho são igualmente importantes, o que resulta em um leite de alta qualidade.
Antônio e a esposa cuidam sozinhos de toda a produção, da ordenha à confecção dos queijos. Foto: Rogério Machado/Gazeta do Povo
Ana Paula e Antônio planejam segurar 30% da produção para vender diretamente ao consumidor, o que lhes renderia uma remuneração melhor. Hoje, a maior parte da produção vai para um entreposto da região, que revende o produto. O casal também pensa em expandir a produção, contratando uma pessoa para ajudar na ordenha das vacas. Os animais precisam ser ordenhados todos os dias, duas vezes ao dia, faça-se queijo ou não. “Eu acordo às 5 da manhã e vou dormir às 10 da noite”, conta Ana Paula. Mas a contratação de um auxiliar esbarra na escassez da mão de obra e no receio de comprometer a qualidade dos queijos.
Renda diversificada
No caso de Inez e Robson, o fato de terem duas queijarias ajuda a diversificar a renda. O frescal vende mais rápido e tem volume de produção maior. Por outro lado, o minas artesanal produzido em menor escala é comercializado por um valor maior. O segredo está no equilíbrio entre as duas produções. “O valor agregado do queijo maturado é maior, mas o giro do frescal é bem mais rápido”, aponta Robson. Alguns dos queijos artesanais ficam até 6 meses maturando, o que confere mais sabor e aroma, tornando o produto diferenciado aos olhos dos consumidores. Ao todo, a família produz em torno de 150 queijos ao mês, que abastecem escolas e o entreposto local. O palmito, outra fonte de renda extra, é vendido no Ceasa e para restaurantes de Uberlândia.
Como cuida sozinha das duas queijarias, Inez e o marido, responsável pelas vendas e pela lavoura de palmito, têm uma rotina de trabalho de segunda a segunda. “Faz um ano e meio que eu não consigo tirar uma semana de folga”, desabafa Inez, esboçando um sorriso. Isso porque ela sabe que seus queijos são reconhecidos pelo sabor diferenciado, especialmente o frescal. Ela é a única produtora que espreme manualmente cada queijo na hora de enformar, o que concentra o sabor. “O pessoal experimenta e já sabe que é o queijo da Inez, mesmo sem ver o rótulo”, orgulha-se.
Por: João Rodrigo Maroni, especial para a Gazeta do Povo (novembro-2019)
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