Treze trabalhadores são resgatados em condições análogas a trabalho escravo em Ibiá
Auditores-fiscais constataram que grupo dormia em barracão de lona e madeira coberto com telhas de amianto, sem água potável, higiene e privacidade.
Imagem:Marcio Rezende Ramos/ Policia Militar
Uma operação conduzida pela auditoria-fiscal do Trabalho da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, resgatou 13 trabalhadores em condições análogas à de trabalho escravo em duas carvoarias do município de Ibiá, região do Alto Paranaíba, em Minas Gerais. A operação teve apoio da Polícia Militar do estado e da Polícia Rodoviária Federal.
Auditores-fiscais constataram que os trabalhadores dormiam em um barracão de lona e madeira coberto com telhas de amianto, sem nenhuma infraestrutura, higiene e privacidade. Os funcionários tomavam banho de água fria há 15 dias devido a problemas nas instalações elétricas. Dos 13 resgatados, apenas um tinha carteira de trabalho assinada.
Nenhum tipo de equipamento de proteção individual era disponibilizado para a realização das atividades que eles exerciam. Nas frentes de trabalho não havia acesso a nenhuma instalação sanitária, água potável e local adequado para refeições. Para as necessidades fisiológicas eram usadas áreas de mata próxima.
O grupo mineiro teve seus contratos de trabalho rescindidos, recebeu atendimento de assistência social e foi encaminhado de volta às suas cidades de origem. Eles receberam todas as verbas rescisórias que somam aproximadamente R$ 70mil e tiveram as guias de seguro-desemprego especial para resgate emitidas. (Reportagem: Ana Carolina Mendonça – Assistência: Vera Schmitz/Estado de Minas).
Outros Casos
Não é a primeira vez que o nome da cidade de Ibiá é associado a esse tipo de problema.
Em 2010 o Sindicato dos Empregados Rurais de Araxá e Região (SER) recebeu uma denúncia da Polícia Militar de Ibiá que relatava indícios de trabalho escravo em uma fazenda de café no distrito de Tobati. Representantes do sindicato e policiais militares foram até o local e constataram péssimas condições de trabalho, falta de registro dos trabalhadores, alimentação cobrada e alojamento precário e ainda recebiam salários irrisórios.
De acordo com investigações da época, os trabalhadores passaram muito frio e fome e boa parte do mês comiam apenas macarrão, feijão e farinha e ainda tinham que pagar cerca de 7 reais, por dia, para se alimentar. Muitos deles, para não passarem fome, pediam bananas nas fazendas vizinhas, que eram cozidas antes de serem ingeridas.
Em outro caso, ocorrido em setembro de 2018, Auditores-Fiscais do Trabalho da Gerência Regional do Trabalho (GRT) de Uberaba/MG, com apoio da Polícia Militar de Minas Gerais, resgataram seis trabalhadores reduzidos a condições análogas às de escravos, em uma propriedade no município de Ibiá (MG). A fiscalização ocorreu no dia 13 de setembro. Eles estavam empregados na extração manual de bambu, que era utilizado na confecção de estacas para plantio de tomates por uma empresa no município de Corumbá de Goiás (GO), qualificada como a real empregadora.
As condições, tanto nos alojamentos quanto nas frentes de trabalho, eram degradantes, além de ter sido constatado descumprimento das normas de saúde e segurança no trabalho. Na casa não havia abastecimento de água potável. Os empregados buscavam água para beber e cozinhar em um curso d’água a cerca de 150 metros do alojamento. Não passava por nenhum tipo de tratamento e era armazenada em grandes baldes de margarina. Banhos e lavagem de roupas eram feitos numa pequena represa que também servia a animais.
Não havia local adequado para acondicionar a comida, que era preparada num fogão de lenha. A comida preparada era deixada por mais de um dia nas panelas. Na época, auditores encontraram comida estragada no local.
Sobre o Trabalho Escravo
O trabalho escravo é grave violação de direitos humanos. Restringindo a liberdade do indivíduo, esse tipo de função atenta contra a dignidade do trabalhador. O Brasil foi a última nação do mundo ocidental a abolir esse tipo de tratamento, no final do século 19. Apesar disso, em termos práticos esse problema continua a existir nos dias atuais.
Segundo dados apurados por organizações não governamentais (ONGs) ligadas à Organização Internacional do Trabalho (OIT), hoje, no Brasil, ao menos 200 mil trabalhadores se encontram em condições análogas à de trabalho escravo. Isso acontece, apesar desse tipo de condição ser crime expresso no Código Penal.
De acordo com o Artigo 14, o trabalho escravo pode ser contestado a partir de qualquer um dos seguintes elementos: trabalho forçado, jornada exaustiva, servidão por dívida e condições degradantes. Confira o que é cada um:
Trabalho Forçado: O indivíduo é obrigado a se submeter a condições de trabalho em que é explorado, sem possibilidade de deixar o local seja por causa de dívidas, seja por ameaça e violências física ou psicológica. Em alguns casos, o trabalhador se encontra em local de difícil acesso, isolado geograficamente.
Jornada Exaustiva: Expediente desgastante que vai além de horas extras e coloca em risco a integridade física do trabalhador, já que o intervalo entre as jornadas é insuficiente para a reposição de energia. Há casos em que o descanso semanal não é respeitado. Assim, o trabalhador também fica impedido de manter vida social e familiar.
Servidão por dívida: Fabricação de dívidas ilegais referentes a gastos com transporte, alimentação, aluguel e ferramentas de trabalho. Esses itens são cobrados de forma abusiva e descontados do salário do trabalhador, que permanece cerceado por uma dívida fraudulenta. Em muitos casos, todo o seu salário é simplesmente retido, assim como os seus documentos pessoais.
Condições Degradantes: Um conjunto de elementos irregulares que caracterizam a precariedade do trabalho e das condições de vida sob a qual o trabalhador é submetido atentando contra a sua dignidade.
No ranking da ONG Walk Free Foundation, o Brasil ocupa 94ª posição no mundo entre os países que, proporcionalmente à sua população, mais têm trabalhadores em regime de escravidão.
Apesar de as ações brasileiras serem consideradas exemplares internacionalmente, o país ainda encontra dificuldades em avançar nessa questão, pois esbarra em vários interesses, principalmente de latifundiários.
O governo federal brasileiro assumiu a existência do “trabalho escravo contemporâneo” perante o país e a OIT em 1995. Assim, o Brasil se tornou uma das primeiras nações do mundo a reconhecer oficialmente a ocorrência do problema em seu território. (Reportagem: Ana Carolina Mendonça – Assistência: Vera Schmitz/Estado de Minas)
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